Conectivismo, Teoria da Flexibilidade Cognitiva e o ensino dialógico problematizador mediado por TDIC
Conectivismo, Teoría de la Flexibilidad Cognitiva y enseñanza dialógico-problematizadora mediada por TDIC
Connectivism, Cognitive Flexibility Theory and dialogical-problematizing teaching mediated by TDIC
Wagner Duarte José[1]
https://orcid.org/0000-0003-2909-6352
Geneci Libarino Figueredo[2]
https://orcid.org/0000-0001-6505-7065
Graciely Rocha Braga[3]
https://orcid.org/0000-0001-6193-0963
José, W. D. et al. (2025). Conectivismo, Teoria da Flexibilidade Cognitiva e o ensino dialógico problematizador mediado por TDIC. Revista Nuevas Perspectivas, 4 (7), 1–13.
Fecha de recepción: 14/11/2023
Fecha de aceptación: 25/11/2024
Resumo: Tendo como pano de fundo os resultados de nossas pesquisas no contexto da Educação de Jovens e Adultos, desenvolvemos a articulação entre o Conectivismo e a Teoria da Flexibilidade Cognitiva sob a perspectiva dialógica problematizadora de raiz freireana. Temos por objetivo de destacar sua potencialidade para apropriação crítica de conhecimentos em domínios complexos e pouco estruturados. Em conclusão, estabelecemos três premissas do ensino dialógico problematizador na perspectiva conectivista visando o desenvolvimento da flexibilidade cognitiva como processo de conscientização e liberdade.
Palavras chave: conectivismo, Teoria da Flexibilidade Coginitiva, ensino dialógico problematizador, tecnologias digitais de informação e comunicação
Resumen: Con el trasfondo de los resultados de nuestra investigación en el contexto de la Educación de Adultos, desarrollamos la articulación entre el Conectivismo y la Teoría de la Flexibilidad Cognitiva bajo la perspectiva dialógica problematizadora de raíz freireana. Nuestro objetivo es destacar su potencial para la apropiación crítica del conocimiento en dominios complejos y poco estructurados. En conclusión, establecemos tres premisas de la enseñanza dialógico-problematizadora en la perspectiva conectivista, con el objetivo de desarrollar la flexibilidad cognitiva como un proceso de concienciación y libertad.
Palabras clave: Conectivismo, Teoría de la Flexibilidad Cognitiva, Enseñanza dialógico-problematizadora, Tecnologías digitales de la información y la comunicación
Abstract: Against the backdrop of the results of our research in the context of Adult Education, we developed the articulation between Connectivism and Cognitive Flexibility Theory under the dialogical-problematizing perspective of Freire´s root. We aim to highlight its potential for the critical appropriation of knowledge in complex and ill-structured domains. In conclusion, we establish three premises of dialogical-problematizing teaching in the connectivist perspective aimed at the development of cognitive flexibility as a process of awareness and freedom.
Keywords: Connectivism, Cognitive Flexibility Theory, dialogical-problematizing teaching, digital information and communication technologies
Sociedade em rede: a aprendizagem conectivista promove a flexibilidade cognitiva?
Na era da sociedade da informação e da cultura digital, o imperativo das Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação (TDIC) suscita novos modos de ser, pensar e agir nos diferentes espaços escolares. Estudos como os de Lévy (1999), Castells (2002), Angotti (2015), Siemens (2005), entre outros, apontam desafios para a educação num contexto em que a produção, disseminação e apropriação do conhecimento são influenciadas por essas tecnologias como um “princípio operativo assimilado à produção humana em todas as suas áreas” (Santaella, 2012, p. 33).
Não obstante, as TDIC se consolidam em meio aos interesses do sistema capitalista vigente das grandes corporações, nacionais e multinacionais (Joaquim, Vóvio & Pesce, 2020). Em contraponto, favorecem o crescimento significativo de movimentos coletivos em diversas partes do mundo, em torno dos processos colaborativos e do acesso aberto aos bens culturais, científicos e educacionais (Bonilla & Pretto, 2015). Categoricamente, as TDIC são processos resultantes da capacidade criadora do homem e, portanto, condicionadas histórico-socialmente (Freire, 1987).
Uma das muitas situações desafiadoras da educação escolar é pensar as múltiplas possibilidades trazidas pela complexidade do mundo atual em uma perspectiva plural, em sinergia com o desenvolvimento do espírito crítico e da criatividade. Por conseguinte, prospectar novas formas de os cidadãos interagirem, produzirem e compartilharem conhecimentos de maneira articulada, na ciência, na tecnologia e na cultura (Pretto, 2011, Angotti, 2015).
A integração das TDIC no ensino incorre em assumirmos que artefatos digitais tornaram nossa vida praticamente ubíqua e, muitas vezes, pautada pelos algoritmos da web 4.0 e do que se convencionou chamar de Inteligência Artificial (Legg & Hutter, 2007). Face à natureza fluida do conhecimento e das conexões em rede, em que os elementos centrais estão em constante mudança e não inteiramente sob o controle do indivíduo, avaliar a importância de aprender alguma coisa é uma meta-habilidade aplicada antes mesmo da própria aprendizagem começar (Siemens, 2005).
Siemens (2005) propõe o termo Conectivismo como um modelo de aprendizagem de caráter aberto e não linear, centrado no desenvolvimento da habilidade de estabelecer conexões, sintetizar e reconhecer padrões de conhecimento acionável, que reside em humanos e ou fora destes (dentro de uma organização ou base de dados). “O conhecimento é definido como um padrão particular de relações e a aprendizagem como a criação de novas conexões e padrões, por um lado, e a capacidade de manobrar através das redes e padrões existentes [por outro]” (Siemens, 2008, apud Mota, 2009, p. 118).
O autor pauta-se em alguns aspectos da Teoria do Caos, “compreendido como ciência, reconhece a conexão de tudo a tudo” (Prado, 2018, p. 36) e enfatiza o poder das interações sociais como um meio de aprendizagem, ressaltando o papel fundamental das redes de aprendizagem para o desenvolvimento da humanidade. Também assevera que as teorias de aprendizagens existentes, tais como Behaviorismo, Cognitivismo e Construtivismo, “foram desenvolvidas em um tempo em que a aprendizagem não sofria o impacto da tecnologia” (Siemens, 2005, p. 1). Há que se repensar os propósitos da educação e a organização da aprendizagem em prol do bem comum, “levando em conta múltiplas visões de mundo e outros sistemas de conhecimentos, além de novas fronteiras em ciência e tecnologia” (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura - UNESCO, 2016, p. 9).
Spiro et al. (1988) argumentam que, em cenários de constantes mudanças, característicos de domínios complexos e pouco estruturados de conhecimento multifacetado e irregular, a habilidade de perspectivar o conhecimento e/ou uma situação de várias formas é essencial para uma aprendizagem efetiva em que o sentido do conhecimento está atrelado a uma leitura crítica do mundo. Em vez de domínios mais simples, a contextualização das aprendizagens requer múltiplas representações dos conhecimentos apresentada numa estrutura não linear e não hierárquica, mas em rede (Pessoa, 2011).
Desenvolvida no final dos anos oitenta por Rand Spiro e colaboradores, a Teoria da Flexibilidade Cognitiva (TFC) fundamenta-se no conceito de conceito de flexibilidade cognitiva, entendido como sendo a capacidade que o sujeito tem de flexionar seu conhecimento, (re)organizando-o para resolver diversas e diferentes situações/problemas (Spiro et al., 1987). Pelo cruzamento de temas altamente inter relacionados em casos e mini casos, processo denominado metaforicamente como travessia da paisagem ou travessia temática, estruturas de conhecimentos em rede são construídas, possibilitando maior flexibilidade nas formas como o conhecimento pode ser potencialmente reunido.
Sumariamente, casos e mini casos são estruturas de representação do conhecimento em domínios de complexos e pouco estruturados, caracterizados pela interação entre diferentes conceitos. Mini casos são partes de um caso, de forma que possam ser abordados em um determinado tempo letivo; parte e todo se inter relacionam tal qual casos do mundo real. Para Spiro et al. (1988), sistemas de hipertextos e hipermídias são centrais na Teoria da Flexibilidade Cognitiva (TFC), atendem a necessidade de flexibilidade e não linearidade na aquisição de conhecimento e permitem a conexão entre diferentes casos, mini casos e temas. Ou seja, a travessia temática se desenvolve didática e metodologicamente no caminho da flexibilidade cognitiva, em sintonia com o ideário conectivista de Siemens (2005).
Casos e mini casos problematizados dialogicamente segundo a TFC engendram pressupostos conectivistas no desenvolvimento da flexibilidade cognitiva?
A TFC utiliza uma abordagem de conteúdo centrada no estudo de situações reais, os casos e mini casos. Em domínios de conhecimento complexos e pouco estruturados, o significado dos conceitos depende dos contextos, as particularidades de cada caso e ou mini casos são realçadas pelas interações entre diversos conceitos, em diferentes perspectivas. Os conceitos vão sendo construídos nas diferentes travessias entre casos e mini casos por meio dos temas de análise conceitual (Vidmar & Sauerwein, 2021 ), nos seus usos concretos e não no abstrato.
Os temas de análise conceitual correlacionam-se com as travessias temáticas operando na desconstrução dos casos e mini casos, possibilitando a utilização de múltiplas representações de conhecimento e de múltiplos esquemas interpretativos. Essa é uma “atividade complexa pois há um número relativamente restrito de temas a serem utilizados e pelas implicações que têm na compreensão do assunto” (Carvalho, 2011, p. 7).
Em nossa pesquisa em ensino de ciências/física, realizada em uma turma de ensino médio da Educação de Jovens e Adultos (EJA), problematizamos dialogicamente o tema Produção, distribuição e consumo de energia elétrica, tomando casos e mini casos como codificações da realidade concreta (Freire, 1987). Pesquisamos em telejornais, jornais e blogs locais/ regionais, revistas online, sites, entre outros, casos e mini casos representativos de uma realidade local, regional e/ou global, aparentemente distintos, mas altamente interligados com potencial de fazer emergir situações limite presentes nas visões de mundo dos educandos (Braga, 2019).
Um dos casos problematizado foi a notícia intitulada “Nordeste enfrenta a maior sequência de anos com seca extrema já registrada”, que aborda sobre a intensa seca enfrentada pela região Nordeste do Brasil entre 2016 e 2017 e suas possíveis causas. Como mini casos, citamos: “De onde vem a crise hídrica que seca a bacia do São Francisco”; “Não fossem as eólicas, o Nordeste estaria enfrentando racionamento de energia”; “Da falta de estrutura fez-se a crise do apagão no Brasil do início do século XXI”; “Aneel confirma bandeira tarifária vermelha 2 em novembro, com novo valor: R$ 5 para cada 100 kWh”.
O processo de construção, organização, reestruturação e transferência de conhecimento a cada nova situação e contexto de utilização é o modo operante do desenvolvimento da flexibilidade cognitiva, estabelecendo relação entre as partes e o todo, de causa e efeito. Por exemplo, ao se debruçarem sobre o caso, os estudantes não associavam o racionamento de energia elétrica ou mesmo os impactos da seca sobre a geração dessa energia que chega a suas casas.
O delineamento e desenvolvimento da TFC em sala de aula deu-se por meio da dinâmica dos Três Momentos Pedagógicos (Delizoicov, Angotti & Pernambuco, 2011). Os casos, retratados por recortes de notícias, tirinhas, vídeos, foram destrinchados de maneira dialógica para que a visão de mundo dos educandos pudesse ser expressa e problematizada pelo educador, visando evidenciar lacunas na compreensão da relação entre as partes e o todo. O diálogo problematizador em torno dessas situações mostrou, inicialmente, que os alunos não percebiam essas relações. Lacunas que limitam a apreensão crítica da realidade e a constituição de uma nova realidade.
Os conhecimentos científicos pertinentes para interpretar os casos e mini casos foram selecionados pelos educadores. Ao final, os casos foram (re)construídos pela combinação de aspectos dos diferentes mini casos e pelos temas de análise conceitual. Ao se repetir um tema de análise conceitual no contexto de outro mini caso, bem como, compreender o mesmo mini caso por várias dimensões temáticas, múltiplas conexões entre mini casos de diferentes casos se estabeleceram (figura 1).
Figura 1. Representação da reconstrução dos casos e mini casos por meio das travessias temáticas. Fonte: Braga (2019, p. 39).
Esse movimento de desconstrução e construção em torno de diferentes casos e mini casos em meio ao diálogo problematizador requereu dos estudantes uma reorganização dos conhecimentos de modo flexível, e a construção de esquemas situacionais. Isto permitiu a adequação dos conceitos à necessidade de um determinado contexto de aplicação, possibilitando a transferência do conhecimento em novas e diferentes situações, para diferentes fins, ou seja, a promoção da flexibilidade cognitiva.
Como resultado, obtivemos maior compreensão dos conhecimentos físicos e efetivo pensamento flexível dos estudantes, além de evidências de seu distanciamento crítico estabelecendo conexões com os diferentes contextos explorados e desenvolvendo visões menos fatalistas da realidade concreta. “Isso é ainda mais relevante para os estudantes jovens, adultos e idosos, pois aquilo que se aprende na escola poderá ser utilizado imediatamente por esse público em sua vida cotidiana, uma vez que já são sujeitos com vida social ativa” (Figueredo, 2021, p. 41).
O caminho que traçamos pode ser visto sob a ótica da aprendizagem conectivista, mesmo não tendo sido implementado com suporte de dispositivos conectados em rede em sala de aula para o acesso a hipertextos e hipermídias (o que, certamente, potencializaria ainda mais as travessias temáticas). Desenvolver a habilidade de enxergar conexões entre áreas, ideias e conceitos; conectar informações em nós especializados ou fontes de informações contidos nos casos e mini casos; aguçar a curiosidade epistemológica (Freire, 1996) dos educandos na apreensão crítica de uma realidade em mudança atualizando-a a cada nova situação e oportunizar a tomada de decisão, foram decisivos no processo ensino aprendizagem. Retrospectivamente, encerram e entremeiam-se com os pressupostos conectivistas de Siemens (2005).
A integração das TDIC no ensino de ciências/física na EJA tem sinalizado possíveis trajetórias para o ideário conectivista na perspectiva dialógico problematizadora?
Tendo em mente os propósitos do presente ensaio e o foco de nossos estudos associados à atuação profissional no ensino de ciências/física na EJA, passamos a destacar a pesquisa que realizamos nessa modalidade de educação. De um lado, a escassa produção científica nesta área justifica o objetivo de mapear as produções relacionadas à integração das TDIC associadas a pressupostos conectivistas. De outro, reafirma as marcas históricas de marginalização dos mais pobres, afrodescendentes, moradores da periferia, ocupantes de estratos mais baixos da hierarquia social (Haddad, 2011), pessoas que não encontram identidade própria e de matriz emancipatória na nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 2020 (Brasil, 2020).
Nosso estudo bibliográfico, de caráter exploratório e pautado na análise de conteúdo de Bardin (1977), registrou 29 produções científicas (13 dissertações, 11 publicações em eventos, 4 artigos e 1 tese), publicadas no período 2001-2019. Ainda que nenhum dos autores tenha citado o termo Conectivismo, verificamos uma leve aproximação com o ideário conectivista quando buscaram se alinhar com os preceitos de uma educação voltada para atender os desafios do século XXI. Dessa forma, estabelecemos três dimensões envolvendo a efetivação dos pressupostos conectivistas.
A primeira refere-se aos estudos que consideraram a interatividade favorecida pelas TDIC conectadas à internet, que possibilitam ampliar as trocas de ideias e discussões acerca dos objetos de aprendizagens em estudo no contexto escolar. A defesa em torno da importância da diversidade de ideias e opiniões na construção do conhecimento está presente no conectivismo e este pode ser entrelaçado com o pensamento freireano quando considera o diálogo problematizador como categoria imprescindível ao processo educativo.
A segunda reforça a necessidade de se integrar as TDIC nas práticas de ensino na atualidade visando também implementar novas estratégias didáticas que podem romper com metodologias desmotivadoras e descontextualizadas. Desse modo, vai ao encontro da perspectiva conectivista de que a incorporação pedagógica das TDIC pode contribuir com o redimensionamento de práticas de ensino pautadas nas relações pedagógicas respaldadas na verticalidade, linearidade, memorização e repetições de conteúdos, entendidas pelo ideario freireano como sendo características da educação bancária (Freire, 1987).
Essa integração apresenta elementos que confirmam seu potencial em contribuir com a promoção de modelos e ações pedagógicas capazes de oferecer mais possibilidades aos estudantes e professores, concebidos por Freire (1979) como seres cognoscíveis com capacidade de criar e recriar, com potencial de captar e mundo e transformá-lo por meio de um processo de conscientização que ocorre ao longo de toda a vida. A ideia da aprendizagem contínua é um dos pilares do Conectivismo. Assim sendo, acreditamos ser possível situá-la no escopo de um processo educativo como uma atividade contínua que contemple a construção da autonomia do estudante, para que seja capaz de buscar os novos conhecimentos necessários para uma atuação crítica e consciente na vida.
A terceira dimensão evidencia os pressupostos conectivistas associados à ideia de que a construção do conhecimento na atualidade perpassa pela conexão, busca e seleção de informações e inquietações acerca do exercício do direito à cidadania num contexto cada vez mais científico e tecnológico. Entende-se que tal percepção pode ser concebida a partir da perspectiva do ensino dialógico problematizador ao considerar a realidade concreta (Freire, 1987) dos sujeitos educativos da EJA. Outro aspecto que cabe destacar nesses estudos foi o reconhecimento da importância de se conceber um ensino centrado na realidade social e cultural de nosso tempo, que considere os novos contextos digitais e se preocupe em buscar mudanças na educação objetivando atender os anseios de uma nova estrutura social (Castells, 2002).
Ao prospectar contribuições para o ensino advindas da articulação entre a abordagem conectivista e educação dialógico problematizadora, inferimos que a implementação de ações educativas envolvendo TDIC amplia os mecanismos capazes de romper com os limites da educação bancária (Freire, 1987) uma vez que a mediação tecnológica pode contribuir com o desenvolvimento de práticas escolares, no ensino de Física/ciências, pautadas no diálogo problematizador (Bastos; Muller e Abegg, 2006). Outrossim, as reflexões em torno das inquietudes da inclusão social das pessoas numa sociedade cada vez mais caracterizada pela cultura digital confluem para o ensino diálogo problematizador na medida em que considera a realidade concreta (Freire, 1987) dos sujeitos educativos.
De fato, o relatório produzido pela Comissão Internacional sobre educação para o século XXI para a UNESCO pontua que o “aparecimento de sociedades da informação corresponde a um duplo desafio para a democracia e para a educação” (Delors et al., 1996, p. 66). É responsabilidade dos sistemas educativos “fornecer, a todos, meios para dominar a proliferação de informações, de as selecionar e hierarquizar, dando mostras de espírito crítico” (p. 66) ao tempo em que é “na escola que deve começar a educação para uma cidadania consciente e ativa” (p. 67). O texto destaca ainda a importância de se fornecer aos estudantes “as bases culturais que lhes permitam decifrar, na medida do possível, as mudanças em curso” (p. 68).
Assim, ao articular o Conectivismo e o ensino-dialógico-problematizador centrado no ideário freireano, o estudo observou que essas concepções podem dialogar entre si em torno da necessidade de fortalecer as ações direcionadas para melhorias no ensino bem como apontar direcionamentos promissores visando ampliar um fazer educativo que busque: explorar a interações e/ou conexões de idéias, opiniões, informações no processo educativo; fomentar as relações de horizontalidade entre professor e estudantes, em que todos compartilham conhecimentos, pois, quem aprende, ensina, e quem ensina, aprende (Freire, 1996); favorecer práticas que consideram a realidade cultural e o momento histórico atual, que tem demandado cada vez mais a apropriação crítica e consciente das TDIC; fortalecer o fazer docente, uma vez que esse profissional passa a ser visto como quem pode viabilizar aprendizagens contextualizadas capaz de conscientizar o estudante sobre a sua condição de sujeito cognoscente.
Por que e para que articular TFC e Conectivismo no ensino dialógico problematizador?
É consenso que os modelos educacionais ao longo da história foram se modificando visando um certa adequação aos interesses e demandas de seus contextos histórico-sociais. Nessa direção, o conectivismo, se apresenta como um modelo de aprendizagem capaz de reconhecer as mudanças na sociedade, em que a aprendizagem não é mais considerada uma atividade interna e individual de modo que o “campo da educação tem sido lento em reconhecer, tanto o impacto das novas ferramentas de aprendizagem como as mudanças ambientais na qual tem significado aprender” (Siemens, 2005, p. 9).
Não obstante, a concepção freireana da educação permite conceber as novas demandas que se apresentam ao ensino por meio de um prisma que pode ultrapassar o olhar ingênuo para as ferramentas tecnológicas de nosso tempo, principalmente quando o campo pedagógico se encontra ameaçado a se tornar “um espaço propício para utilizações artificiais de artefatos técnicos com adaptações superficiais, passivas, não críticas e não criativas [...]” (Adams, 2022, p. 228).
Ademais, a perspectiva freireana tem se instituído também como uma concepção de educação capaz de enriquecer o cenário das discussões e ações que envolvem a incorporação das novas tecnologias no ensino (Figueredo, 2021). Assim sendo, sintetizamos o ensino dialógico problematizador numa perspectiva conectivista em três premissas:
1- Aprendizagem e conhecimento apoiam-se na diversidade de opiniões, no diálogo problematizador, na habilidade de conectar nós especializados ou fontes de informação, na conexão de redes, ideias e pessoas, seres de relações que se educam em comunhão, cuja capacidade de saber/ser mais é mais crítica que o conhecimento em si, é dinâmica em vez de estática.
Na concepção freireana, a ideia da diversidade de opiniões está inserida no escopo da problematização, quintessência do diálogo para aproximar, de modo crítico, os estudantes de sua realidade concreta. Freire (1987) concebe o diálogo como fenômeno humano, fundamental no processo educativo e cuja finalidade seja a conscientização mútua dos sujeitos envolvidos. Nesse sentido, a educação ocorre dentro das sociedades humanas, não no silêncio, mas em comunhão entre os seres humanos, de modo que o encontro de ideias e pensamentos possibilita aos sujeitos educativos, seres de relações que estão no mundo e com o mundo, de se apropriarem da realidade permanetemente, visando transformá-la.
A concepção explicitada acima se encontra alinhada com três dos oito princípios que sustentam o conectivismo, quais sejam: “A aprendizagem e o conhecimento dependem da diversidade de opiniões; A aprendizagem é um processo de conexão de nodos (ou nós) ou fontes de informação especializadas; A capacidade de ver conexões entre áreas, ideias e conceitos é uma habilidade-chave” (Siemens, 2005, p. 7). Esse pensamento propõe que o conhecimento humano “reside nas conexões que criamos, seja com outras pessoas seja com fontes de informação, como bases de dados, novas informações estão sendo continuamente adquiridas, a habilidade de fazer distinções entre a informação importante e a sem importância é vital” (Fonseca, 2021, p. 12).
2- A habilidade de cultivar e manter a aprendizagem contínua, enxergar conexões entre áreas, ideias e conceitos é uma habilidade fundamental, que reconhece os sujeitos educativos como seres inacabados, inconclusos, em permanente busca de “ser mais”, e concebe o conhecimento como processo e não apenas produto.
Freire (1987) atribui ao ser humano a condição de ser inconcluso e inacabado, numa permanente busca de “Ser Mais”. Nessa concepção, o ensino pode ser entendido como meio que possibilita o despertar da consciência dos estudantes sobre a realidade, que se encontra permeada de mudança (e inacabada) num cenário social dinâmico, que tem exigido também uma educação capaz de fazer repensar o presente no intuito de construir o futuro por meio de uma aprendizagem constante e conscientizadora ao longo da vida, por exemplo, frente aos atuais desafios da Inteligência Artificial.
As considerações acima apresentam potencialidade de diálogo com outros três princípios cognitivistas (Siemens, 2005, p. 7): “A capacidade de saber mais é mais crítica do que aquilo que se sabe em um dado momento; É necessário cultivar e manter conexões para facilitar a aprendizagem contínua; A atualização (conhecimento exato e atual) é a intenção de todas as atividades conectivistas de aprendizagem”. Nessa concepção, o processo de ensino-aprendizagem assume a condição de um modelo ativo e integrado, no qual aprender consiste também em buscar, organizar e selecionar os conteúdos que podem ampliar nossa cognição em favor da luta por uma sociedade melhor para todos.
3- A atualização do conhecimento, a abertura ao novo, a tomada de decisão é, por si só, um processo de aprendizagem conectivista que se alinha ao pensamento freireano caso se concretize por meio de um ato educativo conscientizador.
Siemens (2005) alerta que as rápidas mudanças da atualidade exigem de todos uma aprendizagem permanente para ser possível compreender a realidade nesse novo cenário tecnológico, de incertezas. Já Freire (1996) assevera para não sermos demasiados certos de nossas certezas quando objetivamos pensar certo, e chama a atenção para o fato de que o nosso conhecimento sobre o mundo também tem historicidade. Por isso, propõe ser fundamental conhecermos o conhecimento existente e ao mesmo tempo estarmos abertos e preparados para a apropriação de conhecimentos que ainda serão produzidos.
Dois princípios conectivistas parecem dialogar com essas premissas (Siemens, 2005, p.7): “a tomada de decisão é, por si só, um processo de aprendizagem.” e a “aprendizagem pode residir em dispositivos não humanos”. Num cenário em que as aprendizagens podem ocorrer por meio de interações com a rede, o ato de escolher o que aprender e o significado da informação recebida é visto através das lentes de uma realidade em mudança. Uma decisão correta hoje pode estar errada amanhã devido a alterações, em geral complexas, no ambiente de informações que afetam a decisão.
À guisa de conclusão
No limite do verbo esperançar de Freire (1992), o atual contexto científico tecnológico possibilita que as TDIC possam a ser concebidas e utilizadas em favor de um processo educativo vinculado a uma racionalidade crítica, criativa e humanizadora (Joaquim, Vóvio & Pesce, 2020). Ademais, o ensino precisa estar alinhado com a perspectiva de educação humanística, integral e emancipadora, centrada no diálogo e na problematização da realidade vivida, em favor da libertação e transformação social (Freire, 1979, 1985, 1987).
É imporante ressaltarmos que um dos pressupostos do Conectivismo, qual seja, “a aprendizagem pode residir em dispositivos não humanos” (Siemens, 2005, s. p.), é um desafio para a perspectiva freireana. A aprendizagem de máquina em sistemas de Inteligência Artificial (IA) representa a evolução da web 4.0, estendendo-se desde a computação em nuvem até os algoritmos que rastreiam e entregam experiência pessoal (por exemplo, nos avatares) conforme perfil de quem acessa as mídias digitais. Esses sistemas são capazes de executar tarefas que antes somente humanos produziam.
O crescente número de sistemas de IA e suas aplicações são uma provocação constante à leitura de mundo (seu questionamento) e à leitura da palavra (seu entendimento). Como exemplo, citamos os movimentos anticiência e antivacina, entre outros, capazes de gerar a perda de confiança em instituições fundamentais da sociedade (Marineli, 2020). A implementação de IA na Educação incorre ainda no enfretamento de questões éticas e políticas, de proteção de dados e privacidade das pessoas, além de mitigação de vieses sociais incorporados nos algoritmos, dentre estes, os associados a preconceitos e desigualdades contra grupos sub-representados ou desfavorecidos (Fernandes et al., 2024). São demandas inequívocas para a formação e atuação docente.
Não menos esperançosos, apresentamos nossa conclusão deste ensaio: integrar TDIC (e IA) em práticas educativas no ensino de ciências na EJA, desde que se apropriem das três premissas do ensino dialógico problematizador no ideario conectivista e se configurem como processos de codificação-descodificação de casos e mini casos da realidade concreta dos sujeitos educativos na perspectiva da TFC, é um caminho viável possível para o desenvolvimento da flexibilidade cognitiva como processo de conscientização e liberdade.
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[1] Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, Vitória da Conquista. Brasil. Contacto: wagnerjose@uesb.edu.bra
[2] Colégio Estadual Isaías Alves, Poções-Bario. Brasil. Contacto: genecievy@gmail.com
[3] Universidade Federal do Sul da Bahia, Teixeira de Freitas. Brasil. Contacto: gracy.rb@hotmail.com